sábado

De vários postais nasceu este conto!

"Hoje parece que vêm para aí nuvens". Desta forma desconversaram o que há muito se impunha revelar, ali, naquele alpendre com vista para a falésia e o mar. Palco da declaração dela e da reticência dele.

Essa reticência dele foi o que condenou o amor que ela sentia, que afinal, não era suficiente para os dois. A separação é dolorosa e parece não fazer sentido quando a vida passa e muito se criou, pensava ele, sempre que refreava o impulso de lhe comunicar que já não podia mais. A rotina, o previsível, o sempre igual da falésia e do mar. O que para ela era a calma, a tranquilidade e sintonia, para ele era a monotonia rotineira do passar das horas.

Filhos crescidos, casa grande e parada no tempo, neste alpendre onde dois tempos e espaços conviviam sem pontes de ligação, há pelo menos 15 anos.

Ele olha para o horizonte e vê o céu azul a tornar-se cinzento, nuvens carregadas trazem o cheiro da chuva, resolve-se e exclama para si, é agora ou nunca. Embalado pela coragem e pela transição do céu com as primeira pingas grossas que caiem mesmo à sua frente, diz o que há tanto guardava e o queimava por dentro "Companheira, vou embora, chega de esperar a morte com o passar dos dias como se de serena felicidade se tratasse".

Ela fita-o. Não reage, contínua a olhar o mar, o céu, a falésia agora transfiguradas. No seu íntimo sabia que isto mais tarde ou mais cedo aconteceria. E já era tarde. A vida tinha passado para ela. Estava cansada e esgotada, tinha carregado a falta de entusiasmo dele ao longo de todos estes anos. Nada disse, levou o copo à boca, olhou-o da mesma forma penetrante e apaixonada de sempre, sorriu levemente e partiu... A sua vida estava cumprida.

2 comentários:

Anónimo disse...

mariana, até parece que já és velhota como nós! como podes saber tanto da vida e das relações?
achamos lindo!
mae xanda e nene

Mariny disse...

Começo a escrever sem pensar e saí-me, se calhar lembro de outras vidas;)

Beijinhos às duas