quarta-feira

Lisboa ordinária

Ontem fiz uma viagem para dar as boas vindas ao bom tempo, passeie no 28 à noite, Lisboa silenciosa e o vento a bater-me na cara, com a cabeça de fora a ver a cidade que me passava pelos olhos.


Vi do cima das colinas e recortado entre os prédios o rio e o céu e as estrela pela 1ª vez há muito tempo. Nas vielas inclinadas vislumbrei o abismo da calçada, ladeada por portas castanhas e rugosas, manchadas pela intempérie, deliciei-me com o silêncio incrível no qual Lisboa de repente ficou mergulhada e de vez em quando, pinceladas de cor nos passeios, arraiais por toda a parte, sardinhas, vinho manhoso, música duvidosa!

Nichos de vida, instantânea, incompleta, no meio da rua, assim largada para quem lhe quisesse pegar, entrar, desfrutar.

Lisboa, assim, numa noite de silêncio aparente, lisboa assim, ordinariamente falsa e aparentemente calma, a cada esquina um mundo, um microcosmos, mil movimentos, mil feixes de vida, de energia agitada de verão a percorrer as avenidas.

Sinto aqui como em casa, mas não sei onde fica, sinto-a em todas as ruas, sinto-o familiarmente aqui e já, sinto-a parte integrante de mim, da minha história mais recente.

Consigo vivê-la mesmo de rastos com o trabalho novo, exploro-a e assim, vou indo de jangada em jangada, de aventura em aventura.

Pela casa, pelo nariz, pela janela adentro entra o cheiro a sardinha assada e já as como e não fico enjoada, como-as no pão, sentada em ruas inclinadas e mesas para lá de tortas, como-as sentada estrategicamente onde o vinho não me cai-a para cima, como-as congeladas em Alfama, mas como-as a ouvir o calor a envolver a rua, como-as falsamente sardinhas como Lisboa, falsa e ordinária, sedutora, sempre vagabunda e suja, mais curtida pelas intempéries.

Como as sardinhas e corro para o eléctrico. A casa é já ao virar da esquina e cheira a sardinha.