Este foi o texto que escrevi para as provas de selecção do Jornal Sol. O novo semanário do ex-director do Expresso (Espesso), pediram-nos na 2ª prova para escrever um artigo/reportagem sobre a Requalificação do Intendente/Martim Moniz. Desconheço e depois de ter feito o trabalho de campo e mesmo antes, qualquer tipo de projecto de reabilitação, apenas vi os cartazes à frente do Intendente que bem ao jeito do Santana Lopes e herdado pelo Carmona, me parece um bela propaganda. No gabinete fui recebida por um arquitecto que nem podia dar entrevistas. O resto, é a imagem que trago comigo de Lisboa.
O passeio começa na renovada praça do Martim Moniz, uma das zonas mais cosmopolitas da cidade. Neste espaço nobre de Lisboa circulam africanos, indianos, chineses e ciganos, lisboetas, alfacinhas de gema. A ladear o Vale do Jordão encontramos a Mouraria, bairro típico de longas tradições fadistas, uma das zonas da cidade que mais a revela. Lisboa é cidade de porto habituada a receber e enviar gentes e tradições, herdeira da permanência mourisca, é feita de ruas labirínticas que terminam em pequenos pátios e vilas operárias.
O Martim Moniz é a casa de vários povos, do comércio fazem a sua fonte de subsistência e lado a lado convivem lojas de produtos indianos e africanos, variados produtos, cheiros e sabores.
Nas ruelas encontram-se restaurantes chineses ou de inspiração africana. Sentar à mesa com outras culturas é possível no eixo- oriental.
Á medida que subimos a Almirante Reis vamo-nos dando conta da degradação do edificado e das opções camarárias de recuperação algo confusas e morosas.
Desde muito cedo que se tenta reabilitar uma das zonas mais povoadas da cidade de Lisboa, devolvendo ao património e seus habitantes a dignidade que merecem. Em 1996 deram-se por terminadas as obras da praça do Martim Moniz. Em 2003, o então presidente da Câmara, Santana Lopes, apresenta o plano de requalificação do Largo do Intendente para devolver o estigmatizado bairro à cidade. Manda fechar a rua, retira uma série de camiões estacionados no Largo que serviam de abrigo para os toxicodependentes e inícia as obras de reabilitação.
Várias vistorias a estabelecimentos comerciais são feitas, muitas pensões e cafés da zona são encerrados por falta de condições. Actualmente, subsistem meia dúzia de estabelecimentos comerciais. Uma mercearia que vende produtos alimentícios e de higiene pessoal e um tasco com aspecto interdito. E tem também à entrada Polícia Municipal e nas noites mais agitadas, na entrada oposta, a PSP. Para um dos agentes ali presente o Intendente tem “posto de saúde, bares e miséria”.
Passado três anos, foram recuperados próximo de 28 prédios, maior parte destes com o consentimento e colaboração dos seus proprietários, quatro deles sofreram intervenção coerciva.
No entanto, a marginalização da zona continua. O Intendente contínua a ser local de prostituição, de venda e consumo de drogas a céu aberto, sem pudor, alastrando-se à Igreja dos Anjos, percorre o bairro da Mouraria, o Martim Moniz, sobe até à Praça do Chile e Alameda.
Quem aqui habita e trabalha habituou-se há muito a este espectáculo da degradação humana e de exclusão social. Pelos vistos, a recuperação do edificado não chega para reabilitar as pessoas. População que não é só composta pela comunidade de toxicodependentes e prostitutas, ali vivem também idosos com baixos rendimentos, que tradicionalmente e nos bairros das grandes cidades, estão isolados e amedrontados. No Intendente estão presos aos vícios e infernos dos outros.
Para o arquitecto Sá Pereira, responsávelo pelo Unidade de Projecto da Mouraria, ao qual está adjudicado o Intendente, desde 2003 já muito se fez pela zona e o balanço “é muito positivo”. Neste gabinete, que existe desde 1987, traçam-se as linhas de actuação, o que fazer ao edificado: “evitar que caía”, exclama o arquitecto, faz-se o inventariado do património de forma pormenorizada, no terreno contam-se fissuras, rodapés, portas e janelas património de todos, abandonado ao passar do tempo. Como explica Sá Pereira “Este é um trabalho de campo e não de secretária”.
Diz também que metade dos prédios do Intendente estavam habitados, em 2003 e foi necessário realojar as pessoas. O gabinete conta com assistência social para os casos mais bicudos, todos os esforços são poucos para resolver os vastos problemas da zona.
O Martim Moniz, curiosamente, não está sobre a alçada do gabinete da Mouraria, quem decide é a EPUL. No lado oposto ao gabinete é possível ver um enorme estaleiro que está ali há alguns anos a impedir a passagem de quem circula. Deverá nascer habitação para jovens. O arquitecto explica que demora tanto tempo “Porque neste terreno foram encontrados diversos vestígios arqueológicos de quase todas as épocas históricas”. Este é o lado nascente do Vale Jordão, local que desde a fundação de Lisboa foi fortemente habitado. Nesta encosta corria um ribeiro.
O projecto para a nascente do Vale foi aprovado em 2003 e depois das descobertas arqueológicas não foi mais revisto. O futuro será a construção, os vestígios arquelógicos estão a ser inventariados e pouco ou mais nada se sabe sobre o assunto.
Nada se sabe também sobre um hotel de “charme” supostamente projectado para o Palácio do Intendente de Pina Manique. Largo que alberga também o Museu do Azulejo, uma das mais fortes expressões da cultura portuguesa e um dos baluartes da intervenção na área.
Ao andar pelo Intendente vê-se que as obras chegaram, muitas estão já concluídas, alguns prédios abandonados foram novamente habitados pela população jovem que o centro de Lisboa está a começar a receber. Jovens licenciados que trabalham em Lisboa e aqui fazem a sua vida, a par destes muitos estrangeiros e estudantes.
Neles reside a esperança da reabilitação do eixo Oriental, gente que devolva a juventude a uma população envelhecida com problemas de isolamento, a par de núcleos familiares cada vez mais reduzidos, que vivem na rua porque esta é a extensão natural das casas pequenas e recortadas e por isso, é tão importante devolver o Intendente aos lisboetas.