terça-feira

"O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço,
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço..."

Álvaro de Campos

sábado


Este foi o texto que escrevi para as provas de selecção do Jornal Sol. O novo semanário do ex-director do Expresso (Espesso), pediram-nos na 2ª prova para escrever um artigo/reportagem sobre a Requalificação do Intendente/Martim Moniz. Desconheço e depois de ter feito o trabalho de campo e mesmo antes, qualquer tipo de projecto de reabilitação, apenas vi os cartazes à frente do Intendente que bem ao jeito do Santana Lopes e herdado pelo Carmona, me parece um bela propaganda. No gabinete fui recebida por um arquitecto que nem podia dar entrevistas. O resto, é a imagem que trago comigo de Lisboa.

O passeio começa na renovada praça do Martim Moniz, uma das zonas mais cosmopolitas da cidade. Neste espaço nobre de Lisboa circulam africanos, indianos, chineses e ciganos, lisboetas, alfacinhas de gema. A ladear o Vale do Jordão encontramos a Mouraria, bairro típico de longas tradições fadistas, uma das zonas da cidade que mais a revela. Lisboa é cidade de porto habituada a receber e enviar gentes e tradições, herdeira da permanência mourisca, é feita de ruas labirínticas que terminam em pequenos pátios e vilas operárias.
O Martim Moniz é a casa de vários povos, do comércio fazem a sua fonte de subsistência e lado a lado convivem lojas de produtos indianos e africanos, variados produtos, cheiros e sabores.
Nas ruelas encontram-se restaurantes chineses ou de inspiração africana. Sentar à mesa com outras culturas é possível no eixo- oriental.
Á medida que subimos a Almirante Reis vamo-nos dando conta da degradação do edificado e das opções camarárias de recuperação algo confusas e morosas.
Desde muito cedo que se tenta reabilitar uma das zonas mais povoadas da cidade de Lisboa, devolvendo ao património e seus habitantes a dignidade que merecem. Em 1996 deram-se por terminadas as obras da praça do Martim Moniz. Em 2003, o então presidente da Câmara, Santana Lopes, apresenta o plano de requalificação do Largo do Intendente para devolver o estigmatizado bairro à cidade. Manda fechar a rua, retira uma série de camiões estacionados no Largo que serviam de abrigo para os toxicodependentes e inícia as obras de reabilitação.
Várias vistorias a estabelecimentos comerciais são feitas, muitas pensões e cafés da zona são encerrados por falta de condições. Actualmente, subsistem meia dúzia de estabelecimentos comerciais. Uma mercearia que vende produtos alimentícios e de higiene pessoal e um tasco com aspecto interdito. E tem também à entrada Polícia Municipal e nas noites mais agitadas, na entrada oposta, a PSP. Para um dos agentes ali presente o Intendente tem “posto de saúde, bares e miséria”.
Passado três anos, foram recuperados próximo de 28 prédios, maior parte destes com o consentimento e colaboração dos seus proprietários, quatro deles sofreram intervenção coerciva.
No entanto, a marginalização da zona continua. O Intendente contínua a ser local de prostituição, de venda e consumo de drogas a céu aberto, sem pudor, alastrando-se à Igreja dos Anjos, percorre o bairro da Mouraria, o Martim Moniz, sobe até à Praça do Chile e Alameda.
Quem aqui habita e trabalha habituou-se há muito a este espectáculo da degradação humana e de exclusão social. Pelos vistos, a recuperação do edificado não chega para reabilitar as pessoas. População que não é só composta pela comunidade de toxicodependentes e prostitutas, ali vivem também idosos com baixos rendimentos, que tradicionalmente e nos bairros das grandes cidades, estão isolados e amedrontados. No Intendente estão presos aos vícios e infernos dos outros.

Para o arquitecto Sá Pereira, responsávelo pelo Unidade de Projecto da Mouraria, ao qual está adjudicado o Intendente, desde 2003 já muito se fez pela zona e o balanço “é muito positivo”. Neste gabinete, que existe desde 1987, traçam-se as linhas de actuação, o que fazer ao edificado: “evitar que caía”, exclama o arquitecto, faz-se o inventariado do património de forma pormenorizada, no terreno contam-se fissuras, rodapés, portas e janelas património de todos, abandonado ao passar do tempo. Como explica Sá Pereira “Este é um trabalho de campo e não de secretária”.
Diz também que metade dos prédios do Intendente estavam habitados, em 2003 e foi necessário realojar as pessoas. O gabinete conta com assistência social para os casos mais bicudos, todos os esforços são poucos para resolver os vastos problemas da zona.
O Martim Moniz, curiosamente, não está sobre a alçada do gabinete da Mouraria, quem decide é a EPUL. No lado oposto ao gabinete é possível ver um enorme estaleiro que está ali há alguns anos a impedir a passagem de quem circula. Deverá nascer habitação para jovens. O arquitecto explica que demora tanto tempo “Porque neste terreno foram encontrados diversos vestígios arqueológicos de quase todas as épocas históricas”. Este é o lado nascente do Vale Jordão, local que desde a fundação de Lisboa foi fortemente habitado. Nesta encosta corria um ribeiro.
O projecto para a nascente do Vale foi aprovado em 2003 e depois das descobertas arqueológicas não foi mais revisto. O futuro será a construção, os vestígios arquelógicos estão a ser inventariados e pouco ou mais nada se sabe sobre o assunto.
Nada se sabe também sobre um hotel de “charme” supostamente projectado para o Palácio do Intendente de Pina Manique. Largo que alberga também o Museu do Azulejo, uma das mais fortes expressões da cultura portuguesa e um dos baluartes da intervenção na área.
Ao andar pelo Intendente vê-se que as obras chegaram, muitas estão já concluídas, alguns prédios abandonados foram novamente habitados pela população jovem que o centro de Lisboa está a começar a receber. Jovens licenciados que trabalham em Lisboa e aqui fazem a sua vida, a par destes muitos estrangeiros e estudantes.
Neles reside a esperança da reabilitação do eixo Oriental, gente que devolva a juventude a uma população envelhecida com problemas de isolamento, a par de núcleos familiares cada vez mais reduzidos, que vivem na rua porque esta é a extensão natural das casas pequenas e recortadas e por isso, é tão importante devolver o Intendente aos lisboetas.

terça-feira

apetece escrever sem ler o que fica nas linhas do papel que e que não representa uma angústia. angustiante é a vida e as suas escolhas, os caminhos que transformo em letras, pretas e espessas. que no seu conjunto não raras vezes a preto e branco, vão colorindo o vendaval que sobre ti se abate.

ingenuamente, encho o lençol e sou invadida por um prazer aliviante, de esvaziar o recipiente pensante, aglutinador do mundo em mim.

alma que me atormenta nas noites de calor, sufoca o corpo e a mente, transborda do cérebro a lava incandescente do dilúvio temperamental do dia e noite que passa e se entreanha na pele. de onde vim sei, para onde vou, páro na estrada dos caminhos escuros, reluzentes de promessas, perco-me nos trilhos falsamente fáceis do percurso. entre as árvores sons, cheiros e óasis de vidas e cores que ilucidam a passagem, o futuro caminho. no meio e entre o ambicionado e o presente, braços de árvores centenárias, frondosos ramos cortam a vista de ir mais além.

casas aconchegantes e ternurentas, cheias de familariedades e cantos explorados, apinhados de rotinas e hábitos, umas vezes coloridos, umas vezes extenuantes e chatos. Nem um buraquinho no chão do refúgio. Os animais e secretismos já não vivem aqui. Apenas o pó criado pela contemplação e hábito do conforto e aconchego.

quando sopra a briza, o vislumbre, nada claustrofóbico do mar calmo e fresco, depois da falta de sombra, alimenta o desejo de mergulhar, novamente, no caos refrescante que vive em ti, em mim, por entre os prédios de vibrações rectas e altas, ondulantes de recheio orgânico do viver e existir.

quarta-feira

Apetece-me gritar que quero mudar de vida, nada de especial, que me apetece encontrar novos caminhos e tudo e tudo. Então, na busca pela letra do evidente "Muda de vida" do Variações, deparei-me com a vida do homem que ansiou ser mais do que lhe tinha sido, hipoteticamente destinado( se é que isso existe).

Evidentemente que este senhor é uma fonte de inspiração, não só para mudar de vida ou escrever longos posts, ou talvez sim, mas para acreditar que tudo se torna melhor quando temos vontade de viver. Ganas de viver muito e não deixar que o tempo passe, ganas de sentir mais, ganas de sorrir e aprender, descobrir e partilhar. De afirmar o meu lugar, o meu espaço, tal como sou, assim, normal e disparatada, mas com força e vida, momentos de coragem e cobardia. Como diz outro grande senhor (Sérgio Godinho) o que difere um corajoso de um cobarde é a direcção que cada um toma. O primeiro foge para a frente e o segundo para trás. E de caranguejo temos todos um pouco, bem como de tolos e disparatados.

De sensatos e de acertivos, ambiciosos e lutadores também, mas menos, porque a perfeição pertence aos Deuses e o que deverá contar é a fidelidade aos anseios, desejos e vontades.

Então, para lhe agradecer o sorriso que me ofereceu, resolvi, mesmo assim, postar a letra de uma das minhas músicas preferidas do ironicamente, cabeleireiro mais popular de Portugal.

"Não me consumas
Não me consumas
Não me consumas mais
Não me consumas mais

Pára de me consumir
Que tu abusas
Que tu abusas
Sempre cada vez mais
Não é fácil digerir
Pára de me consumir

Porque já estou farto
De ser o olfacto
Da tua laca e desse spray
Que é de uma marca que eu cá não sei
Ah, esses teus sais
Eu já não aguento mais

Estou enjoado do teu perfume
Esse extraído de um raro extrume
E com esse bass-stick
Não há nariz que não fique
Saturado de cheirar
Pára é de me gastar

Não me consumas
Não me consumas
Não me consumas mais
Não me consumas mais

Pára de me consumir
Que tu abusas
Que tu abusas
Sempre cada vez mais
Não é fácil digerir
Pára de me consumir

Não sou coisa nova
Para a tua moda
Não sou trança do teu penteado
Nem cabide do teu novo fato
Sempre gostaste de ser
A cópia do geral paracer

Não sou espelho da tua vaidade
Nem a pastilha do teu à vontade
Não, comigo não
Não sou canal de televisão

Creme de noite, creme de dia
Um que endurece, outro que amacia
Tratas muito da fachada
Por dentro não tratas nada

Não me consumas
não me consumas
Não me consumas"

António Variações



terça-feira

Pelo Mercado!

Vida de operária é o que tenho durante a próxima semana. levantar bem cedo. Também existe vida a essa hora, gente que se levanta ainda de noite para levar coisas que nos são tão essenciais como a comida, os jornais, os medicamentos...

Uma manhã no talho é qualquer coisa de agitado. Gente acordada e stressada há uma ou duas horas. Rapidamente se corta tudo e se constrói os pacotes para os clientes. Facturas, recibos, quantidades e up we go! Tá tudo pronto para a "volta" dos restaurantes e isto ainda são 9:00 da manhã, já eu estava cidrada, colada ao banco que me foi destinado.

Num ápice, uma sala cheia de gente fica vazia e silenciosa.

Os mercados já não são populosos como antes, o fluxo de gente nas "ruas" do mercado é diminuto e os pregões devem ter ficado lá atrás. Não ouvi nada, apenas alguns nomes no ar. As bancas ao fim da manhã estavam quase tão cheias como no início do dia. As verduras, os doces, as carnes e peixes ficam lá. Um bom sítio para se ir buscar comida que vai directamente para o lixo.

Enquanto tomava café, na tasca do lado, pensava que em Marrocos, por exemplo, os mercados estão cheios e vibrantes seja a que horas forem, são enormes, e divididos em secções. A rua do peixe, a avenida dos vegetais e frutos, os vendedores de tapetes, as barracas de bijuterarias com sofás improvisados para negociar as mercadorias...

Cá parece que é ao contrário. Vi muitos imigrantes a fazer compras, velhinhas com carrinhos de compras, mas nada que se compare a qualquer mercadinho de rua de Paris, Amesterdão ou Londres, nem a África, imagino...

Vai ser uma semana divertida e cansativa... Felizmente junto o útil ao agradável, o dinheiro ao conhecimento de outros circuitos.