Do vazio ou esticar a corda até ao fim.
Demorei horas a vestir-me, quando escolhi, escolhi uma saia leve e branca com um top de cores veraneantes e alegres e fui novamente à luta. Novamente sentei-me à frente de pessoas que não conheço de lado nenhum e que querem saber tudo sobre a minha vida (poucos fazem perguntas pessoais, de qualquer forma, são sempre relacionadas comigo e indirectamente acabam por saber mais do que gostaria de contar).
De um bar no Cais de Sodré ao escritório claro e agressivo da Av. 5 de Outubro, locais diferentes, habitados por gente tão diversa, as perguntas são sempre as mesmas; a minha motivação, a minha experiência, as minhas ambições a curto e médio prazo, o que gosto de fazer(?)...Nesta pergunta não consegui responder de forma totalmente sincera nas duas conversinhas. Já não sei responder, o querem que vos diga!
Gosto de não fazer nada disto, de procurar empregos que não me satisfazem, sim, gostaria de escrever todos os dias, gostaria de ter um emprego num jornal ou numa rádio, queria ser jornalista, mas lamento, não me lembro disso, especialmente quando estou na 500ª entrevista e me sinto sugada até ao tutano pela vossa curiosidade vampiresca, porque me esqueci de sonhar nestes meses largos que andei à procura de um caminho menos doloroso, um caminho onde o sol brilha mais e ganha às nuvens negras que se abatem sobre todos nós.
Sou eu que precisam, sou eu que vou marcar a diferença, sou eu que vou ser a funcionária ideal, blá, blá, blá! Rigorosa e dedicada, polivalente, flexível e motivada...para trabalhar até às quinhentas por tostão furado, motivada e polivalente para vos ver a encherem-se de dinheiro e mesmo assim serem uns tristes e desgraçados viciados no trabalho, flexível para poder aturar de cara alegre o mau humor e problemas emocionais de chefes menos simpáticos. Sim...pode ser, senão como vou ganhar o que me permite viver e esquecer que 5 dias por semana vos tenho que aturar!
As entrevistas, os processos de selecção, as perguntas, os currículos, o falso interesse, as salas impessoais, as empresas, as associações, as lojas, os callcenters, os quiosques, as publicações, as promessas de vida melhor e desafogada...tudo isto já me cansa!!
Porém, sabendo eu disto tudo, do que me faz sofrer as quinhentas portas que se me fecharam, as experiências menos boas, as noites mal dormidas e de agitação, as insónias e as horas excessivas de trabalho precário e pouco satisfatório e depois de ter no meu cérebro um mapa exacto de como é o mercado de trabalho e do que normalmente têm para me oferecer, não desisto.
E este impulso é tão incontrolável que todos os dias tenho a mesma rotina, verifico as páginas de emprego, envio currículos, respondo a emails, faço pesquisas e quando atendo os telefonemas, depois de ter enviado radiografias completas da minha vontade e força de ser mais do que sou, acredito como se fosse a primeira vez, de que é desta que irei começar, é desta que deixo os trabalhos mal pagos e inúteis que em nada me estimulam, acredito que vou conseguir um dia fazer alguma coisa que me torne mais realizada.
E quando saio de lá, daqueles enormes edifícios de escritórios, de salas refrescadas pelo ar condicionado e das pessoas com ar sisudo e distante como se esse fosse sinónimo de competência, a sensação é sempre a mesma. A de vazio, brutal, abismal, o nada ecoa dentro do meu peito, de tal forma é forte que não me deixa respirar.
E se amanhã me telefonarem para outra entrevista, se me solicitarem a exposição novamente...eu vou e acredito que um dia será o meu. Talvez esta força seja fé, talvez seja instinto de sobrevivência, mas acreditasse eu nesta força sobrehumana que me faz caminhar pela cidade de entrevista em entrevista, em todas as situações da minha vida e tudo seria bem melhor.
Acreditasse eu todos os dias que o Mundo pertençe aos que tentam, os que têm força e não a deixasse fugir quando me exponho e talvez não me sentisse tão vazia de ambições e sonhos. Sempre com uma fatiota leve e fresca.