segunda-feira

Dias tristes

Há dias e noites tão tristes que a simples explicação que a natureza tem de seguir o seu curso não me consola! Sinto-me como se um bocadinho de mim, um bocadinho tão importante e essencial tivesse sido levado, roubado...

Bem sei que o legado que me foi deixado é bem mais importante e essencial que este bocadinho, pequenino e essencial que me foi tirado que ainda por cima, é sinónimo de descanso de quem sofreu e de quem tanto fez por mim, todos os dias da vida dele foram passados a pensar nos outros, todos os dias da vida do meu querido avô contemplavam o bem alheio!!

Ele foi um instrumento da solidariedade humana, não acreditava grandes coisas em Deus e eu acho que não acreditava porque não precisava de intermediários para falar com um suposto bem maior, não precisava porque dentro dele estavam as ferramentas que fazem de nós humanos, gentis, solidários e excepcionais. E não achava que fazia nada de especial, se não a sua obrigação.

Saiu da escola para trabalhar e pagar os estudos ao irmão mais novo. Desde cedo que trabalhou e mesmo quando estava a descansar, interrompia o seu descanso para fazer o que se impunha. Não fugia às responsabilidades e deveres. Ensinou-me a viver apenas com o necessário, ensinou-me a respeitar o próximo, a dar amor sem esperar receber, a ser honesta, a dar valor ao meu trabalho, a dar valor a mim própria, mimava-me como se não houvesse amanhã. Ensinou-me a nadar, ensinou-me a não ter medo, estudava comigo, adormecia-me, acalmava-me as noites de pesadelos, mas também me dizia o que não devia fazer, reaprendia-me e ralhava-me. Educou-me, mesmo depois de ter criado as filhas, perdeu noites de sonos por mim, eu durante anos fui a sua primeira preocupação. Sei-o e sinto-o, tal como o sabia e sentia quando era pequenina e passava a vida agarrada ao meu avô, a sombra do meu avô.

Sombra que dividia com o meu primo nas férias, atenção que dava para os dois, de igual forma, sempre com o mesmo amor e carinho. O que este meu avô me ensinou e me deu, não poderei nunca expressar. Não lhe disse, mas acho que ele sabe o quanto é importante na minha vida e na vida do meu primo, o quanto foi e é importante na nossa família. A gratidão que lhe tenho só pode ser expressa se lhe seguir as pisadas e tomar a sua rectidão de carácter como minha, porém, eu tenho defeitos e o meu avô não, não se dava a esse luxo e parecia que não lhe custava.


A minha avó, a minha duende, que mais parece uma boneca de porcelana de tão frágil que está, disse-me que lhe dei a última morada, que seja, desdobrei-me em 48 horas para lhe dar um funeral simples como ele. Escolhi-lhe a roupa, escolhi-lhe o caixão, decidi onde o iríamos colocar, escolhi-lhe as flores. No fim, quando o recebi naquela sala branca e vazia, não acreditava que era ele que traziam, não acreditei e fui ver. O meu coração ficou que parecia que ia saltar do corpo, mas fiquei com a certeza que era o meu maior anjo da guarda que agora descansa, num pomar cheio de árvores de fruta, animais e um riacho. Igual ao que existia mesmo ao pé da casa onde o meu avô cresceu.

Tenho plena consciência que a pessoa que ficou naquele cemitério já não é o meu avô, ali descansa o seu corpo velhinho, o seu espírito está comigo e com todos aqueles a quem o meu avô tocou na sua eterna gentileza e humanidade. Felizmente, na minha vida tenho mais gente assim, devia estar contente por ter tantas estrelinhas que me guiam, hei-de me habituar à tua ausência, mas não te esquecerei.

1 comentário:

Gp disse...

E assim, de mansinho, o avô da Mariana fica vivo para sempre.

Quando os avós desaparecem caem as primeiras folhas das árvores dos netos que tiveram a sorte de os ter por perto. Por vezes, muito perto.

Os avós, que foram pais e mães a dobrar, dão-nos tanto que por vezes nem o percebemos. Ainda bem que tu o reconheces: e o teu avô fica bem vivo.

Ler o teu texto fez regressar a saudade que tenho das minhas avós. Soube bem.

Um beijinho,

Gui