sábado

Enquanto vi Lisboa da janela mais bonita pela qual espreitei para a rua, num dia por demais solarengo, esta estória visitou-me:

"O meu avô que cheirava a lavanda e tinha uma perna torta, vestia-se com tecidos requintados e rodeava-se de finos materiais. A sua casa cheia de rectractos passados de pessoas feias e narigudas, misturavam-se com os barulhos que o chão fazia quando eu corria da entrada para a casa-de-banho branca, imaculada, asséptica. Mobiliário metálico, branco com pequenas aplicações florais... Ao lado, uma toalha de linho que durava apenas uma tarde primaveril de brincadeira.

Na cozinha, onde lanchavam as crianças os panos e paninhos eram muitos. Padrões coloridos estendidos nas mesas, tecidos aos quadradinhos revestiam as tampas de frascos de compotas.

A minha avó, uma mulata aburguesada, tinha por seu domínio a dispensa revestida a prateleiras de madeira, do tecto ao chão. Ás mais altas alcançava de escadote, daqueles parecidos com a farmácia do outro avô. Na despensa tão desejada, residiam as caixas e caixinhas com motivos vários e variados, albergavam as bolachas, os biscoitos, o arroz, a farinha que eram a matéria- prima das fartas refeições que tomávamos na cozinha. A sala, reservada aos adultos, tinha uma grande e comprida mesas. Aí os tecidos eram mais requintados e austeros. Tão austeros como os donos: a mulata aburguesada que perdeu a ginga do andar tropical e o velho que desde os 30 anos tinha o cabelo branco e teimosamente escondia de todos a sua sabedoria e conhecimento que os seus olhos claros viram.

Casa austera, poucas vezes se deixou envolver totalmente pelas gargalhadas das crianças e como os tecidos e padrões, que de divisão para divisão simbolicamente compartimentavam quem ali se sentava, também os distantes donos se cobriam da cabeça aos pés, de cores e tactos rudes".

4 comentários:

Lisa disse...

Nada melhor que ouvi-la contada por ti.* keep on

Anónimo disse...

Miana, achei a história deliciosa!!!

parabéns!!!!Xanda

Anónimo disse...

o quê que a mulata tem?

bunita estória :)

Bake and Destroy! disse...

felizmente, há memórias que nunca passam... e pessoas como tu com o dote de as saber avivar na perfeição.
Beijo grande amiga