quarta-feira

Já é a segunda pessoa que me diz que vai deixar de comprar artigos na Fnac, por solidariedade com a minha pessoa, isto quando digo que ganho 98 euros por mês e trabalho 8 horas por dia. Sou estagiária;)
E pronto, foi nisto que se tornou o primeiro emprego ou a primeira experiência dos jovens licenciados no mercado de trabalho. (Já vou no 3º estágio, o primeiro emprego ficou em casa...). Aquele tempo em que o finalista ou recém-licenciado entra na sua profissão para aprender e ser monotorizado por um colega mais velho, que está dentro da organização.
Actualmente o estagiário vai substituir as baixas dos contractados, as grávidas, os aleijados mentais das empresas, enfim....
Raras são as empresas que pagam um salário digno ao seus estagiários. Na Fnac, por exemplo somos mais de uma dúzia, em quase todos os departamentos existe um. Estão a fazer o trabalho de assistência, tarefas que no fundo nos introduzem na rotina da profissão. Mas isto não é desculpa para se explorar o pessoal. Pensando bem, e na história da humanidade, o Homem já explorou e contínua a explorar o seu semelhante com base em pressupostos bem piores. Afinal o estagiário nem está tão mal assim...
A forma que conheço e que concebo para ganhar a vida de forma condigna é a trabalhar e a minha força de trabalho deveria ser paga. Mas o que mais me irrita nisto tudo acaba por não ser a situação em que estou, já que a aceitei e poderia ter ido simplesmente plantar batatas ou coisa que o valha. O que me põem fora de mim é o discurso moralista e hipócrita que os empregadores, ou deverei dizer exploradores, têm sobre a sua própria conduta.
Gente que defende que está a dar oportunidade aos estagiários para aprenderem, para beberem dos seus fantásticos conhecimentos e conduta profissional, que se diga de passagem é muitas vezes uma bosta, não serve pra nada senão criar vicíos e más condutas nos que os rodeiam e não deviam ser exemplo nem para uma mula.
É verdade, a isto já assisti eu num estágio que fiz e acabei por não levar até ao fim, porque achei ridículo demais compactuar com aquela situação. A minha chefe era uma mula, uma baleia branca instalada e arrogante, que não fazia nada de jeito e punha-me a tirar fotocópias numa máquina manual e velha. Bati mal. Mandei-a passear e não me arrependo. Não me arrependo de não compactuar com exploração e falta de respeito tão flagrantes. Tal como não me arrependerei de mandar os gajos da Fnac passear se alguma vez perceber que já não aprendo nada ali!
O discurso moralista do "estamos-lhes a fazer um ganda favor e estes gajos vêm para aqui e só fazem merda" é fácil de desmontar. É fácil porque é uma desculpa para lhes descansar a cabeça e legitímar a sua desonestidade. Porque a exploração é desonestidade, é falta de humanidade e até é um crime.
Só para terminar li num jornal, faz um mês, o caso de uma rapariga alemã estagiária, que aceitou um estágio numa empresa, lugar esse que não lhe trazia qualquer rendimento. Lá descobriu que estava ali para substituir um funcionário da empresa, que não me recordo se seria mulher e estaria grávida ou doente. E a menina não foi de modas: processou a empresa e exigiu que lhe pagassem o ordenado que merecia e não é que ganhou. Contínua a trabalhar lá e agora decidu criar um quase sindicatos de estagiários, no fim de semana que se seguia a essa publicação ia fazer uma manif...
Estamos longe disso e eu por mais que a aplauda não o faço, por comodismo? Sim. De qualquer forma, não acho que tenha menos direito que ela de protestar e de me insurgir contra a minha condição e especialmente contra a conduta primária e moralista do empregador/explorador. Este sim, o verdadeiro culpado pela situação precária e imoral que me obrigam a viver.

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